Levanta-se rapidamente e dirige-se à casa de banho onde passa a cara por água fria. Esfrega a mão no espelho embaciado e observa o reflexo do seu rosto. Afasta os seus compridos cabelos que emanam tons dourados. As gotas de água atravessam a sua pele clara e lisa, contornando o seu nariz e os seus lábios bem delineados. Olha para o relógio de pulso e constata que ainda é cedo. Perfeito. Dirige-se à varanda, abrindo a janela com vista para a cidade e para o rio que a trespassa de um lado ao outro. O sol, ainda nas suas primeiras jornadas de caminho em direcção ao céu, traz consigo a promessa de mais um dia solarengo. O reflexo deste astro naquele rio sempre a fascinara. Era como se houvesse duas dimensões. Onde o real reflectia a sua essência em outro qualquer lugar e só os mais atentos conseguiam senti-lo. Por isso eram poucos aqueles que conheciam o outro lado. Aqueles que conseguiam sentir realmente a felicidade e outros sentimentos mais profundos, mais puros. Claro que toda a gente, em algum momento da sua vida, diz ter sido feliz, ter amado. Mas não durou muito. E é essa a grande diferença daqueles que de facto vislumbram a verdadeira essência das coisas, entre aqueles que simplesmente pensam que sentem. Quando captamos a essência de algo, esse algo torna-se tão belo para nós, tão natural, tão puro, que muito dificilmente conseguimos esquece-lo, ignora-lo. A natureza está cheia de coisas belas, o próprio universo possui uma harmonia de tal ordem que é capaz de fascinar qualquer um que se digne a observa-lo um pouco mais. Ela sabia-o. E era por isso que lhe dava tanto prazer ficar horas simplesmente a observar a natureza e até as próprias pessoas. Foi nesta observação, nesta abstracção de pensamentos, que descobriu uma cura para a alma. Descobriu algo que lhe mudaria a vida para sempre. Antes, vivera de acordo com o que a mente lhe ditava, com o que os pensamentos lhe sussurravam, com as emoções que sentia. Quando amou pela primeira e única vez na vida, tinha breves vislumbres dessa essência, desse sentimento de paz e felicidade que ingenuamente pensava vir dos acontecimentos. Mas não, esses sentimentos vinham de dentro, do mais profundo do seu ser. Era por isso capaz de amar. Capaz de estar com aquela pessoa e não a julgar, ouvi-la, às suas palavras, aos seus silêncios. Agora começava a entender o porquê daqueles olhares atentos que perscrutavam a face dele durante longos minutos. Estava apenas a respirar a sua essência. A deixar-se embalar por uma paz quase aterradora. Era isto. Era isto que sentia quando amava com todo o seu ser. Era simplesmente isto. Simples, mas tão grandioso que só de recordar a fazia tremer. E ela sabia-o. Sabia que não voltaria a senti-lo tão cedo. Só não sabia que algo estava prestes a acontecer, algo que mudaria a sua vida para sempre.
Saphira